Shakespeare É Fantástico
LEITURAPOSTAGENS
Domício Grillo
2/7/20253 min read


Shakespeare é Fantástico
Têm duas figuras que me influenciam de maneira muito direta: meus filhos. Estou sempre procurando ler, ouvir e assistir aquilo que eles recomendam, principalmente se for algo que gostem muito. Numa dessas incumbências da paternidade meu filho de 19 anos me passou uma lista com as leituras que ele gostaria de fazer, e que obviamente o pai aqui teria que tratar de adquirir os títulos e enviá-los. Fiz tudo o mais prontamente possível, porque me pegou num lugar que não resisto: o guri queria livros! Aí me pega demais… Só não fui mais prestativo, pois fiquei com uma vontade incontrolável de ler tudo que estava na lista. Até porque, preciso me preparar para as conversas que vão pintar depois da leitura. Um bom livro pode render uma boa conversa. Na tal da lista estavam, entre outros tantos que em algum momento voltaremos a conversar sobre, Macbeth e Hamlet de Shakespeare. Dois títulos que eu ainda não tinha lido, e não tive dúvidas: mano eu vou ler isso aqui antes de enviar…
Fundamental para cultura ocidental William Shakespeare tem suas obras esmiuçadas até a medula constantemente por pesquisadores de vários campos das artes e do conhecimento. Tem muita gente com muita coisa para dizer sobre Shakespeare, um dos autores mais estudados, revistos e repensados. Eu mesmo já tinha lido algumas coisas sobre sua obra e sua vida, mas minha surpresa pessoal (ah, isso é algo fascinante que a leitura nos reversa: uma surpresinha especial para cada leitor) foi encontrar muitos elementos do fantástico na leitura desses títulos. De repente, você tá se perguntando: mas só agora tu sacou isso? Sim, e como criança que aprendeu algo novo eu compartilho isso. Porque quando eu leio um autor nascido em 1560 que consegue me dizer tanto sobre um bocado de coisas que estão rolando hoje nas artes e na sociedade, eu acredito que renda mais do que uma boa conversa.
Um rumo dessa prosa boa é olhar para essas duas obras e observar como os “fantasmas”, o mundo oculto e o sobrenatural estão presentes e elaboram a origem das condutas delirantes dos tiranos, ou daqueles que perdem a razão ao conduzirem a tão bem estabelecida ordem ditada por Deus aos homens esclarecidos e nobres. Pessoas dominadas por suas angústias, culpas, ganância, orgulho e vingança. Sentimentos e desejos que se personificam em espíritos que ditam e influenciam suas atitudes, elementos fantásticos que podemos identificar em obras de terror ou ficção científica de hoje. Já visualizo um Hall 9000, computador do filme "2001 Uma Odisseia no Espaço" com sua inteligência artificial enlouquecendo o líder de uma tripulação espacial num drama Shakespeariano.
Outra característica dos clássicos é essa ideia de universalidade, de pensarmos que em qualquer contexto histórico e social essas publicações e suas narrativas continuarão fazendo sentido e sendo valorizadas. Essa é outra conversa interessante: o universal ainda é o mesmo desde o séc. XV. E é apresentado através das convenções sociais de um pedaço da Europa e coloca no campo do absurdo e do fantástico o que não é moralmente aprovado como prática pelo Cristianismo. A todo momento os Céus são clamados, as hordas infernais e os espíritos demoníacos precisam ser afastados, bruxas e toda a blasfêmia pagã atraem o que há de pior. Shakespeare é fantástico e identitário, mas ninguém nunca vai precisar questionar sobre o fato de escrever sobre uma comunidade europeia muito específica (com recorte de classe e religião). Mais uma vez eu visualizo eu penso nas manifestações artísticas contemporâneas onde artistas querem fazer exatamente isso: falarem sobre seu os fantasmas de seu tempo, a partir de suas perspectivas, suas inquietações, compartilhando sentimentos com suas comunidades, demonstrando quem são e no que acreditam.
